07 de agosto de 2024 às 11:21
Lei Maria da Penha completa 18 anos nesta quarta-feira (7)
Lei Maria da Penha completa 18
anos ainda com desafios para sua aplicação
Juizados específicos e medidas de
urgência ampliaram proteção; especialistas veem dificuldades na aplicação da
lei
Por Aline Fernandescolaboração para a CNN
A Lei Maria da Penha completa 18
anos nesta quarta-feira (7). Especialistas ouvidos pela CNN dizem que as
principais dificuldades que acabam retirando a eficácia dela não estão
presentes na legislação, mas no Judiciário.
Batizada em referência à
farmacêutica cearense que sobreviveu a duas tentativas de assassinato cometidas
pelo então marido, a lei 11.340/2006 estabelece que todo o caso de violência
doméstica e intrafamiliar é crime.
Esses crimes devem ser julgados
nos Juizados Especializados de Violência Doméstica contra a Mulher, criados a
partir dessa legislação.
Além dessas alterações, a lei
também trouxe outras mudanças:
a tipificação das diversas
situações de violência doméstica (física, psicológica, sexual, patrimonial e
moral);
a proibição da aplicação de penas
pecuniárias aos agressores;
a ampliação da pena restritiva de
liberdade de um para até três anos de prisão;
a concessão de medidas protetivas
de urgência;
o encaminhamento das mulheres em
situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços
de proteção e de assistência social.
Ranking de feminicídios
De acordo com Marina Ganzarolli,
advogada especialista em gênero e presidente do Me Too Brasil, organização que
atua contra o assédio e o abuso sexual, a legislação continua tendo fundamental
importância no Brasil, pois ainda predomina no país uma perspectiva machista e
patriarcal.
"O companheiro tem a percepção de
controle e posse da mulher, da vida dela, do corpo dela e assim acredita que
pode fazer com ela o que entender", afirma.
Dezoito anos atrás, a sociedade
brasileira ainda possuía a percepção de que era um problema de família, daquele
lar, daquela mulher. Era aquilo do ‘em briga de marido mulher, não se mete a
colher’. A Lei Maria da Penha conseguiu mudar isso, ao trazer luz para o fato
de que não é um problema privado, mas de segurança e saúde públicas e que,
portanto, em briga de marido mulher se mete a colher, sim
Marina Ganzarolli
Segundo dados do Mapa da
Violência, na comparação mundial, o Brasil é 5º país com a maior taxa de
feminicídios – que são os assassinatos de mulheres em razão da condição
feminina.
Antes da criação da Lei Maria da
Penha, muitos casos eram tratados como crimes de menor potencial ofensivo,
tendo como penas, por exemplo, o pagamento de cestas básicas. A legislação
contribuiu para dar mais visibilidade a esses crimes e gerar uma nova
mentalidade.
Histórico da lei
A legislação foi criada após a
condenação do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),
órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), por omissão no caso Maria da
Penha.
Está entre as três leis desse
tipo consideradas mais evoluídas em todo o mundo. Diversos países
desenvolvidos, como Portugal, não contam com uma legislação parecida.
O texto foi consequência de um
longo processo de discussão. Foram realizadas audiências públicas nas cinco
regiões do país, que contaram com participação de entidades da sociedade civil
e parlamentares.
O resultado dessa discussão foi
aprovado no Congresso Nacional e entrou em vigor em 22 de setembro de 2006.
Após a implementação da lei, outras
medidas relacionadas surgiram, entre elas:
a criminalização do feminicídio,
em 2015;
a inclusão da violência
psicológica contra a mulher como uma forma de violência doméstica, em 2021;
a garantia de pagamento de pensão
para os órfãos de mulheres vítimas de feminicídio, em 2023.
Desafios à aplicação
De acordo com especialistas, as
principais dificuldades que acabam retirando a eficácia da Lei Maria da Penha
estão presentes não na legislação, mas, sim, no Judiciário, que ainda é
resistente à aplicação da lei.
Beatriz Vendramini Rausse,
advogada especialista em Direito das Mulheres e Minorias, diz que muitos
estados ainda não possuem Juizado de Violência Doméstica e Familiar, então os
casos acabam sendo tratados por profissionais sem perspectiva de gênero, o que
pode perpetuar estereótipos e gerar revitimização.
Segundo a advogada, outra
dificuldade é que muitos juízes ainda vinculam a concessão de medidas
protetivas à denúncia criminal. Pela lei, esses dispositivos devem existir
diante do risco à integridade da mulher, independentemente do boletim de
ocorrência ou de uma ação judicial contra o agressor.
O Superior Tribunal de Justiça
(STJ) deve se manifestar em breve sobre essa questão das medidas protetivas,
pois existem ações sobre o tema pendentes de julgamento no tribunal.
Ao longo dos anos, a lei também
sofreu questionamentos quanto à constitucionalidade por parte de comarcas e
tribunais do país. Hoje, existe o entendimento de que a questão está pacificada
por decisão da última instância do Judiciário.
"O Supremo Tribunal Federal (STF)
já determinou que a lei é constitucional, não havendo mais argumentos para
prosseguir com esses questionamentos", afirma Beatriz.
Conheça outras alterações
trazidas pela Lei Maria da Penha:
determina que a violência doméstica
contra a mulher independe de sua orientação sexual;
a mulher somente poderá renunciar
à denúncia perante o juiz;
possibilita ao juiz a decretação
da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica
da mulher;
permite que o juiz que determine
o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e
reeducação;
caso a violência doméstica seja
cometida contra mulher com deficiência, a pena será aumentada em um terço;
permite prisão do agressor em
flagrante;
o juiz do juizado específico terá
competência para apreciar o crime e os casos que envolverem questões de família
(como pensão, divórcio e guarda de filhos).
Matéria reprodução CNN Brasil - cnnbrasil.com.br
Foto: Internet
Fonte: CLIENT